Deveríamos reduzir a idade mínima para o voto?

Ensaio redigido em Março de 2025 por Matilde Duarte, nº 9, 11.ºI da Escola
Secundária Manuel Teixeira Gomes no âmbito da disciplina de Filosofia
lecionanda pela docente Susana Fonseca.

   Há relativamente pouco tempo presenciámos as eleições europeias 2024 que trouxeram à discussão diversos tópicos sendo um deles a idade mínima necessária para votar. Este é um debate que já tinha ocorrido a nível nacional em diversos países nomeadamente em Portugal mais especificamente através de um projeto de revisão proposto pelo PSD em Novembro de 2022 que acabou por ser rejeitado. Este assunto ganhou um destaque especial nestas eleições europeias por ser a primeira vez que jovens de 16 anos da Alemanha, Malta e Bélgica e 17 anos da Grécia tinham a oportunidade de votar. Neste ensaio abordarei, portanto, toda esta questão.

   Antes de falar especificamente sobre tema é importante conhecer o contexto histórico que o acompanha e que nos levou até onde estamos hoje. [1]Antes da Segunda Guerra Mundial a idade mínima de voto era 21 anos na maioria dos países a nível mundial. A Checoslováquia (atual República Checa e Eslováquia) foi pioneira a reduzir a idade mínima do voto para 20 anos. Atualmente a idade mínima de voto é 18 anos na maioria dos países. Até 2024 a Áustria era o único país cuja idade mínima para votar era 16 anos sem condições impostas, porque falo em condições impostas? Porque em países como a Hungria só era permitido votar aos 16 anos se o jovem estivesse casado, e na Bósnia e Herzegovina se o jovem trabalhasse.

   As opiniões do que diz respeito a este assunto são variadíssimas, muitos defendem que não deveríamos diminuir a idade mínima para o voto porque os jovens de 16 anos não têm a maturidade nem o conhecimento suficiente para tomar este tipo de decisões e que não o fariam, portanto, de forma responsável. Outro argumento usado é o de que os jovens ainda não têm o cérebro completamente desenvolvido e que por isso não estariam capazes de tomar uma decisão tão importante de forma consciente. Mas afinal o que nos diz a psicologia em relação a isto?

   Segundo a especialista em Psicologia da Educação e vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Sofia Ramalho[2], a ciência psicológica indica-nos que um jovem tem o pensamento totalmente formado aos 12 anos de idade. Aos 16, no que diz respeito ao “desenvolvimento cognitivo” e “raciocínio lógico”, já tem “capacidade crítica” o que indica que já estaria preparado para tomar uma decisão como a de votar. Sofia indica ainda que o maior acesso a “literacia sobre temáticas geopolíticas” que temos atualmente daria ferramentas aos jovens para terem uma avaliação mais crítica e votarem conscientemente. Acrescenta também que cada vez mais os jovens se vêm obrigados a tomar decisões importantes que afetam o seu percurso escolar e profissional mais cedo, salientando que a maturidade não advém de uma idade cronológica, mas sim de um conjunto de experiência vividas pelo jovem.

   Segundo Martin Luther King Jr., “An unjust law is a code inflicted upon a minority which that minority had no part in enacting or creating because they did not have the unhampered right to vote.”, este excerto foi retirado de uma carta[3] que Luther King escreveu da prisão de Birmingham e refere-se ao facto dos cidadãos negros não terem qualquer poder de decisão na aprovação de leis que envolviam a sua segregação, no entanto, oferece-nos uma perspectiva sobre o que Luther King considerava ser uma sociedade justa, sugerindo que numa sociedade justa os cidadãos têm poder na aprovação de leis que os afetam. Na maioria das sociedades não é assim que as coisas funcionam, nem todos os cidadãos têm o direito ao voto, estando o mesmo restringido a alguns cidadãos mediante a sua idade, o que a maioria das pessoas considera razoável por assumirem que a exclusão destes cidadãos do seu direito ao voto é justificável, mas como vimos anteriormente os motivos mais evocados são questionáveis.

   Como exemplo favorável ao voto a partir dos 16 anos temos a Escócia que adotou esta medida e que foi considerada mais tarde um sucesso por políticos, analistas e até o próprio Parlamento Escocês da Juventude. A partir de estudos realizados pela Universidade de Edimburgo[4] foi possível evidenciar que os jovens que votaram pela primeira vez entre os 16 e 17 anos votaram em maior número em relação aos que o fizeram mais tarde. Para além disso as diferenças entre classes sociais no que diz respeito ao hábito do voto foram menos evidentes nos jovens que votaram mais cedo também. Tudo isto demonstra-nos uma relação muito positiva entre a diminuição da idade mínima para o voto e a participação ativa dos jovens na política e democracia.[5]

   Aos 16 anos em Portugal é permitido dirigir motociclos e trabalhar tal como descontar para a Segurança Social, responsabilizar-se criminalmente afinal a maioridade penal é atingida aos 16 anos e participar na política através de juventudes partidárias. Apesar de os jovens portugueses de 16 anos puderem fazer tudo isto, ainda não podem votar.

   Para entender melhor este problema imaginemos dois jovens, o Tomás e o Rúben. O Tomás tem 16 anos, está no 10.º ano porque decidiu trocar de curso para o curso profissional de Desporto onde finalmente se sente realizado. É afiliado a uma juventude partidária que descobriu através das redes sociais e com a qual se identificou bastante, é ativo, empenhado e tem um real interesse pela política. O Rúben tem também 16 anos, está no 11.º ano no curso profissional de Turismo. Cresceu a ouvir os pais e os adultos à sua volta a desdenhar da política e por isso não tem grande interesse. Não conhece muito do espetro político, mas acredita que um novo partido extremista de que os seus amigos lhe falam é capaz de ser exatamente o que Portugal precisa para resolver a insegurança de que as pessoas tanto falam. O Rúben passou o verão a trabalhar na empresa do pai, já o Tomás passou o verão a fazer um Eramus na Itália. É então que se coloca a questão: Deveriam o Tomás e o Rúben ter direito a votar?

   Bem vamos percorrer alguns dos argumentos a favor e contra antes de tomarmos uma posição.

   Um argumento a favor diria que como o Tomás está devidamente informado politicamente pelo que conseguiria fazer uma escolha sensata e deveria, portanto, ter direito a votar, no entanto, muita gente diria que o Rúben por não ter o conhecimento político básico e as suas opiniões políticas se basearem no que os seus amigos lhe dizem, não deveria poder votar.

   Por outro lado, até que ponto é que seria justo colocar qualquer tipo de critério que distinguisse o direito ao voto de dois cidadãos da mesma idade apenas pela sua literacia ou falta dela. Não seria a brecha aberta para questionar se o direito ao voto destes dois jovens deveria ser condicionado pela sua aparente literacia ou falta dela algo que poderia acabar em juízos de valor sobre a capacidade de qualquer cidadão de votar informadamente?

   Outro ponto de vista é que o Rúben por já ter trabalhado e pago impostos deveria, portanto, ter o poder de decidir sobre onde e em quem os queria ver gastos pelo que lhe deveria ser dado o poder de votar e tomar essa decisão ao contrário do Tomás que nunca trabalhou.

   Segundo uma perspetiva utilitarista, em que as ações são corretas ou não em função das suas consequências, o correto seria prosseguir da maneira que maximizasse o bem-estar geral podendo resultar na escolha de algo que consideraríamos um “mal menor” em detrimento de um “mal maior”. Neste caso o “mal menor” seria a escolha indicada na medida em que apesar de causar algum dano evita danos mais graves. Mas de que forma tal se relaciona com a pergunta que iniciou este ensaio?

   Olhemos à nossa volta, pensemos nos jovens por quem estamos rodeados, muitos semelhantes ao Tomás, ao Rúben, entre outros. Nem todos os jovens à nossa volta tem este interesse pela política e pela democracia, na verdade se pensarmos bem uma grande parte não o tem, muito por responsabilidade da falta de literacia política no nosso país, mas já chegarei lá. Tendo em conta isto e pensando de acordo com a perspetiva utilitarista anterior, o correto seria que os menores de 18 anos não deveríam poder votar na medida em que apesar de alguns estarem muito bem preparados e informados, a maioria não o está. Sendo então a rejeição desta proposta um “mal menor” que seria injusto para os que estariam preparados mas que evitaria uma maioria de menores de 18 anos a votar desinformadamente que seria o então considerado “mal maior”.

   Após todos estes argumentos e em resposta à pergunta que vos fiz anteriormente acredito que tanto o Tomás tal como o Rúben ainda não deveriam ter direito a votar porque considero que apesar de um estar preparado e devidamente informado, o outro ainda não está e essa desinformação é algo que tem solução, solução essa que indicarei mais à frente.

   Acredito que os direitos advêm também das responsabilidades pelo que defendo que a atribuição de direitos como o direito ao voto deveria ser feita a cidadãos que já podem desempenhar certos papeis na sociedade como o de trabalhar e por consequência descontar para a Segurança Social e o de se responsabilizarem criminalmente, é por isso que concordo que estes dois jovens deveriam ter o direito ao voto, mas com um senão.

   Acredito também que seria uma irresponsabilidade dar um direito tão importante como o poder de votar a cidadãos sem uma literacia política adequada que considero estar em falha no sistema de educação português. Considero a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento que é responsável por abordar os assuntos importantes para nos tornar-nos bons cidadãos extremamente insuficiente e mal estruturada, pelo que não considero que prepare devidamente os nossos jovens para serem bons eleitores que têm as ferramentas e os conhecimentos para se informar adequadamente e valorizarem, tal como protegerem, a democracia.

   Para exemplificar o meu ponto de vista gosto de usar uma analogia referente ao ato de conduzir, não podemos dar um carro a quem não sabe conduzir, primeiro ensinamos a conduzir. Poderá haver pessoas que aprenderão a conduzir sozinhas? Sim, mas é muito mais seguro primeiro as ensinarmos e evitarmos acidentes desnecessários por desconhecimento e desinformação. Acredito que alguns jovens portugueses já estejam preparados para votar, mas que a maioria ainda não, pelo que a minha resposta esta pergunta é tal como na perspetiva utilitarista um “mal menor” para evitar um “mal maior”.

   Defendo que a idade mínima para votar deveria ser alterada, mas apenas quando a literacia política e democrática passasse a ser devidamente abordada e trabalhada nas instituições de ensino portuguesas afinal bons eleitores são eleitores informados. Isso faria com que o contexto onde cada um cresce e as oportunidades que tem não o condenassem a estar mal informado relativamente a assuntos que o afetam diretamente e sobre os quais deveria ter algo a dizer.

Matilde Duarte, 11ºI


[1] As informações foram retiradas do seguinte vídeo da BBC News:  https://www.youtube.com/watch?v=88pWCDoTI0A

[2] Relato retirado de um artigo da Rádio Renascença: https://rr.pt/especial/politica/2024/06/05/dois-milhoes-de-menores-podem-votar-nas-europeias-estarao-preparados/380948/

[3] Citação retirada de uma carta que se encontra na JFK Library: https://www.jfklibrary.org/sites/default/files/2020-

[4] O estudo realizado na School of Social and Political Cience, University of Edinburgh: https://www.sps.ed.ac.uk/votes-at-16-in-scotland-study

[5] Apesar de ter procurado e talvez por se tratar de um tópico relativamente recente não encontrei exemplos de países que voltaram atrás ou se arrependeram desta proposta.

Webgrafia/Bibliografia

https://www.publico.pt/2024/06/07/p3/noticia/jovens-trazem-perspectivas-frescas-voto-16-nao-convence-2093184

https://rr.pt/especial/politica/2024/06/05/dois-milhoes-de-menores-podem-votar-nas-europeias-estarao-preparados/380948

https://www.jfklibrary.org/sites/default/files/2020-04/Birmingham%20Letter%20Excerpts%20for%20Activity.pdf

https://pt.euronews.com/my-europe/2023/06/12/cinco-paises-permitem-voto-aos-16-e-17-anos-nas-eleicoes-europeias

https://pt.euronews.com/my-europe/2024/04/02/estao-os-jovens-de-16-preparados-para-votar-alguns-paises-da-ue-pensam-que-sim

https://www.rtp.pt/play/p11183/e724014/sociedade-civil

https://ffms.pt/pt-pt/atualmentes/e-possivel-cativar-os-jovens-para-politica

https://www.publico.pt/2023/01/25/p3/noticia/jovens-estao-dispostos-votar-comecarem-16-anos-novo-estudo-2036384

https://www.sps.ed.ac.uk/votes-at-16-in-scotland-study

https://criticanarede.com/eti_mill.html

https://escolasexponenciais.com.br/tendencias-e-metricas/10-filosofos-da-educacao-que-sao-referencia-ate-hoje

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