The “God Particle”

Neste primeiro artigo, para a coluna de Ciência e Tecnologia, vou falar um pouco acerca desta partícula elementar, de alcunha “God Particle”, ou se preferirem, “Partícula de Deus”. Uma pequena curiosidade antes de começar: embora o nickname desta partícula possa dar a entender que há aqui alguma relação de cariz religioso, na verdade, não há mesmo qualquer tipo de ligação. Apenas lhe foi atribuída esse nome uma vez que, por ser tão difícil de detetar, a comunidade científica a batizou de “Goddamn Particle” (“Partícula Maldita”), puramente para efeito cómico, e daí adveio a adoção do nome “God”.

Bom, o verdadeiro nome desta partícula muito peculiar é Bosão de Higgs, nome atribuído em homenagem ao físico britânico Peter Higgs, e integra atualmente o Modelo Padrão da física de partículas. Este bosão é considerado uma das maiores “descobertas” científicas do século XX, tendo o seu estudo contribuído para vários prémios Nobel da Física, incluindo o de Peter Higgs, atribuído tardiamente, em 2013.

Mas agora perguntam: muito bem, mas porque é que esta partícula é tão reconhecida, e porque deu tanto que falar? Porquê, perguntam e bem? A resposta é simples: crê-se que é esta partícula, associada aos campos de Higgs, que “dá massa” às partículas elementares da matéria, e, por conseguinte, a um corpo.

Antes de me embrenhar mais neste tema, deixem-me voltar um pouco atrás para explicar alguns conceitos que possam ter deixado quem não está muito dentro do assunto um pouco perdidos. Alguns poderão estar a interrogar-se: mas afinal que história é esta, de partículas elementares, campos de Higgs, “massa”, e como é que estão relacionados? Deixem-me então dar-vos um contexto e tentar manter as coisas simples.

Como devem saber, toda a matéria é constituída por átomos, certo? O ser humano, um carro, a água, o ar, tudo isso é constituído por estas estruturas muito pequenas a que chamamos átomos. Durante muito tempo, persistiu a ideia de que estas estruturas eram indivisíveis, assim como as mais pequenas, ou seja, que eram as estruturas elementares da que constituíam toda a matéria. Contudo, essa ideia veio a ser derrubada, assim que se descobriu que, os átomos, também eles são constituídos por partículas mais pequenas: no núcleo, os protões e os neutrões, e à sua volta, na nuvem eletrónica, “circulam” os eletrões. Mais uma vez se supôs que estas seriam então as partículas elementares, e mais uma vez se veio a provar que não (exceto os eletrões): tanto os protões como os neutrões são constituídos por partículas ainda menores, os quarks.

Esta descoberta abriu uma enorme porta na física moderna, iniciando-se assim estudos em novas áreas, como a física quântica e a física de partículas. É esta última que estuda especificamente este tipo de temas, e foi através desta área que se criou o Modelo Padrão, onde se “catalogaram” as partículas elementares da matéria descobertas até hoje: os quarks, os leptões e os bosões. Este é o modelo aceite pela comunidade científica até aos dias de hoje.

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Modelo Padrão da física de partículas

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Espero que tenha conseguido transmitir uma ideia breve do que são as partículas elementares.

Passemos então à segunda questão: os campos de Higgs e a “descoberta” do Bosão.

O aparecimento da teoria do Bosão de Higgs, surgiu da necessidade de provar a existência dos campos de Higgs, que por sua vez surgiram para tentar explicar o porquê das partículas elementares terem massa. A comunidade científica já se interrogava acerca disto há algum tempo, até que Peter Higgs surgiu com uma ideia completamente revolucionária: os campos de Higgs. Mas no que consistem os campos de Higgs? Simples. Assim como os campos magnéticos, não se vêm, mas sabemos que eles lá estão, como por exemplo, devido à atração magnética que observamos entre ímans, também estes campos não se vêm, como é óbvio, e também eles interagem com a matéria. Mas enquanto que os campos magnéticos apenas se manifestam junto de objetos ou partículas que os produzam, como um íman permanente ou uma carga elétrica em movimento, e são tanto mais densos, quanto mais próximos da sua origem, os campos de Higgs encontram-se em todo o lado do universo observável, envolvendo tudo o que há, assim como o ar envolve tudo o que há à superfície da Terra, e a densidade do seu campo depende da interação que cada partícula tem com ele.

E o que será então a massa da partícula? Façamos uma analogia com o ar. Imaginemos que estamos a caminhar numa calçada, e está um dia sem vento. A nossa caminhada ocorre sem problema, conseguimos percorrer o nosso caminho tranquilamente. Sem vento não há uma massa de ar suficientemente forte que nos dificulte o passeio. Pensemos agora que se levanta um vendaval, com sentido contrário ao do nosso passeio. O que aconteceria? Sentiríamos, sem dúvida, que teríamos de realizar mais força para andar, como que se estivéssemos mais “pesados”, devido à resistência do ar.

Ora, assim como dependendo da massa de ar que nos envolve, mais difícil, ou fácil, se torna o nosso passeio, também nos campos de Higgs, dependendo da interação dos corpos com este, quanto mais denso for o campo junto de determinada partícula, maior a sua massa. Apontar que, quando se fala de massa nesta escala, estamos a referir-nos a valores 1030 menores que o quilograma.

Esta teoria, como todas as teorias científicas revolucionárias, não foi aceite inicialmente na comunidade, considerada, inclusive, “ridícula”, mas anos depois, após se confirmar que “a matemática batia certo”, decidiu-se investir nesta ideia. Uma das maiores estruturas que se construiu para provar empiricamente esta teoria, foi o LHC, Large Hadron Colider, no CERN, localizado em Genebra, Suíça, o maior acelerador de partículas construído até à data, onde se começaram a realizar experiências para provar a existência deste bosão tão especial, feito realizado em 2012.

Um estudo mais aprofundado desta partícula e dos campos a ela associados, assim como do resto das outras partículas, permitir-nos-á compreender melhor alguns problemas da física moderna, desde a “matéria negra”, até à teoria do Big Bang.

Para finalizar, digo apenas que tudo o que escrevi nem chega a tocar na ponta do iceberg de informação que este assunto contém, mas acho que a ideia geral está bem presente. Dou agora a liberdade aos mais curiosos para se debruçarem mais sobre esta partícula, se assim o que quiserem, vão ver que há caminhos que vos poderão levar aos lugares mais surpreendentes, e às ideias mais incríveis de sempre. Aliás, esta é que é a beleza da ciência: alguém pergunta porquê, e passado um tempo dá origem a uma revolução científica, ou mesmo uma mudança de paradigma, que mudará para sempre a forma como visualizamos o mundo ao nosso redor. 

-Francisco Balau

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