CONHECE-TE A TI MESMO!

Sou de esquerda ou de direita?

Olá!

No artigo anterior fiz um elogio da política, como atividade natural ao ser humano. Vimos, também, que muita gente reage mal à política e aos políticos. Talvez só haja uma palavra mais odiada ainda do que a palavra “política”: é a palavra “partido”.

Muitas pessoas referem-se a si mesmas como sendo “apartidárias”, como se isso lhes garantisse uma imunidade a um perigoso vírus. Outras preferem dizer-se “independentes”, convictas de que tal lhes confere um estatuto moralmente superior em relação a todas aquelas que são militantes de partidos políticos. A palavra “independente” é curiosa, porque parece opor-se aos “dependentes”, que seriam os “carneirinhos” que não pensam por si mesmos, limitando-se a seguir cegamente o que o partido lhes diz para pensar e fazer.

Esta distinção é errada e precipitada. Errada, porque a divisão entre “membro de um partido” e “apartidário” não qualifica as pessoas, apenas constata uma decisão pessoal. Há pessoas que são membros de partidos e outras que não são membros de partidos. Ponto.

Precipitada, porque parece inferir que quem pertence a um partido não pensa pela sua própria cabeça e se move por interesses oportunistas, enquanto que quem é apartidário seria um livre-pensador essencialmente altruísta. Ora, trata-se de uma generalização abusiva e uma simplificação grosseira. Há, decerto, casos que confirmam esta suspeita. Mas também há muitos contraexemplos que a desmentem. Por exemplo, membros de partidos solidários e preocupados com os outros e apartidários calculistas a utilizar o seu estatuto de “independente” para poder saltar de partido em partido por conveniência pessoal…

Posto isto, vamos então tentar perceber o que distingue os partidos de direita dos partidos de esquerda. Irei fazer um confronto com base em cinco critérios: desigualdadespapel do estado na vida dos cidadãos, impostosminorias e imigração e refugiados.

Comecemos pelas desigualdades. Quem é de esquerda, em princípio considera que as desigualdades são uma coisa má, que deve ser combatida para que a sociedade seja mais justa e equilibrada. Quem é de direita contrapõe que existirão sempre desigualdades, porque as pessoas são diferentes umas das outras. Ou seja, a esquerda vê nas desigualdades algo de artificial, fruto das circunstâncias sociais, enquanto que a direita considera as desigualdades naturais, fruto da preguiça ou do esforço de cada um. É por isto que a esquerda defende a discriminação positiva (ajudar mais quem mais precisa em nome da igualdade de oportunidades), ao passo que a direita se foca normalmente na ideia de mérito (triunfa quem é melhor e luta mais por isso). A luta é desigual, diz a esquerda; é a seleção natural, responde a direita.

A esquerda tende a valorizar e a confiar no Estado, quem é de direita tende a desvalorizar o papel do Estado e a desconfiar dele. Para quem é de esquerda, o Estado tem um papel regulador na sociedade; para quem é de direita, em algumas das suas funções o Estado não é regulador, é abusador. A esquerda luta por um Estado social forte, a direita tende a preferir um Estado mínimo. Quanto melhor Estado, melhor, diz a esquerda; quanto menos Estado, melhor, diz a direita.

Haverá alguém que considere que pagar impostos é uma coisa boa? Sim, há. Quem é de esquerda defende que os impostos são o contributo de cada um para um “bolo comum” que serve para nos ajudarmos a todos. Quem é de direita defende que os impostos são o dinheiro de quem o ganhou honestamente. Responde a esquerda: os impostos são a riqueza de um país e servem para ser redistribuídos de acordo com as necessidades dos cidadãos, acrescentando que devem ser progressivos, ou seja, paga mais em percentagem quem ganha mais. É a vez de a direita responder: os impostos são ilegítimos porque tiram a riqueza que as pessoas criaram e, a existirem, deveriam ser iguais para todos (por exemplo 10%), porque quem ganha mais vai acabar por pagar mais. Para a esquerda o combate às desigualdades é um dever do Estado, para a direita é uma escolha de cada cidadão individualmente. Lembras-te da história do Robin dos Bosques? Pois bem, para a esquerda o Estado é o Robin dos Bosques: tira aos ricos para dar aos pobres. Para a direita, o Estado é o Xerife de Nottingham, que rouba ilegitimamente os ricos em nome dos pobres… 

Vamos agora falar das minorias, aqueles grupos sociais que são muitas vezes discriminados na sociedade, devido à sua orientação sexual, etnia ou raça, por exemplo. Normalmente, a esquerda é defensora de uma atenção especial para com estas pessoas, considerando que temos o dever de respeitar e integrar quem vive, por vezes, nas margens da sociedade. Normalmente, a direita não considera esta preocupação prioritária, alegando que, antes delas, há muitas outras pessoas a precisar de apoio e atenção.

Na mesma linha, temos o caso dos imigrantes e refugiados. Antes de mais, é necessário deixar claro que não se trata da mesma coisa: os imigrantes são pessoas de outros países em busca de melhores condições de vida no nosso, enquanto que os refugiados são pessoas que procuram refúgio noutros países porque a sua vida ou sobrevivência não está garantida nos seus países de origem, normalmente devido à guerra. A imigração é, portanto, um ato voluntário, ao passo que a busca de refúgio não é voluntária, é antes absolutamente necessária. Também aqui as divergências entre esquerda e direita acontecem pelas razões enunciadas no ponto anterior: a esquerda valoriza a integração dos imigrantes e o apoio aos refugiados, enquanto que a direita defende habitualmente que, em primeiro lugar, temos de ajudar quem cá está.

Bom, esclarecidas estas diferenças (que, sendo generalistas, admitem naturalmente muitas exceções), termino com a proposta de um “teste” que te permita encontrar resposta para a pergunta do subtítulo: “sou de esquerda ou de direita?”

Vou apresentar-te cinco perguntas a que terás de responder A ou B. Se estiveres indeciso, escolhe aquela para a qual te inclinas mais. As “soluções” do teste estão no final.

Diverte-te e… conhece-te a ti mesmo!

SITUAÇÃO 1O Estado deve redistribuir a riqueza?

O Cristiano Ronaldo tem rendimentos milionários, o Zé da Silva ganha cerca de 500 euros por mês num restaurante. O Zé da Silva paga o imposto mínimo, o Cristiano Ronaldo paga a taxa máxima para os futebolistas, que em Portugal é de cerca de 40% de tudo o que ganham. É justo?

A: Sim. O Estado tem o direito (e o dever) de redistribuir a riqueza, cobrando mais impostos aos mais ricos para poder dar apoio social aos mais pobres. Cada cidadão deve contribuir para o bem comum na proporção dos seus rendimentos. É com esse dinheiro que o Estado constrói escolas, hospitais, estradas, etc., e apoia os mais necessitados. Chama-se a isto justiça social.

B: Não. O Estado não tem o direito de se apropriar da riqueza que os cidadãos juntaram de maneira honesta e legal. A redistribuição da riqueza é ilegítima. Não está certo que aqueles que triunfaram na vida sejam obrigados a dar uma boa parte do seu dinheiro aos que não o conseguiram, muitas das vezes apenas por culpa própria.

SITUAÇÃO 2: O Estado tem o direito de interferir nos hábitos dos cidadãos (Ex.:  proibição de fumar em todos os locais fechados ou usar máscara na rua)?

A: Sim. O Estado deve defender a saúde dos cidadãos, proibindo práticas em locais que ponham em causa a saúde pública. Neste caso, o direito (individual) de fumar ou de passear sem máscara é menos importante que o direito (coletivo) à saúde.

B: Não. O Estado não deve interferir em aspetos da vida privada das pessoas. Cada um é livre de escolher o que quer fazer da sua saúde. O Estado está a violar direitos dos cidadãos.

SITUAÇÃO 3: Está certo favorecer aqueles que são discriminados na sociedade?

Exemplo: Numa sociedade em que as mulheres sejam discriminadas no acesso a alguns tipos de empregos (chefias de empresas, por exemplo), está certo adotar uma lei que obrigue a favorecer as candidatas do sexo feminino como forma de compensar a discriminação de que são alvo?

A: Sim. Chama-se a isso “discriminação positiva” e significa que se favorecem intencionalmente pessoas pertencentes a grupos que são habitualmente discriminados pela negativa (as mulheres, neste exemplo). A discriminação positiva é uma medida temporária, até que a percentagem de mulheres nos diferentes empregos esteja de acordo com a percentagem de mulheres na sociedade.

B: Não. É uma forma injusta de tentar resolver o problema. Não está certo que um candidato a um emprego não seja escolhido, apesar de ser o mais qualificado, porque existe uma lei que dá preferência a quem ficou em segundo ou terceiro lugar e é escolhida apenas porque pertence a um grupo socialmente discriminado. É injusto para quem merecia o emprego e foi rejeitado, mas pode ainda criar problemas a quem é admitida, porque pode ser acusada de ter o emprego não por ser melhor, mas por ser mulher.

SITUAÇÃO 4: O Estado tem o direito de ter praticamente o monopólio da Educação e da Saúde?

A: Sim. A Educação e a Saúde são pilares de uma sociedade e têm a ver com direitos fundamentais do cidadão, neste caso, o direito à educação e a cuidados de saúde, independentemente da condição económica das pessoas. A única forma de garantir isso é através da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde.

B: Não. O cidadão deve ter a liberdade de escolher a escola dos seus filhos ou o hospital onde vai ser tratadoAo impor um modelo estatal, o Estado desrespeita o direito de escolha das pessoas. No caso das escolas, por exemplo, o Estado deveria dar um cheque-ensino com o que gasta com cada aluno e os pais escolheriam livremente a escola onde colocar os seus filhos.

 SITUAÇÃO 5: Concordas que o Estado dê apoios aos filhos de uma família cigana desempregada, sabendo que faltam imenso às aulas e ligam muito pouco à escola?  

A: Sim. Todas as pessoas têm direito aos apoios devidos, independentemente da etnia, raça, convicções religiosas ou orientação sexual. As regras para as famílias ciganas são as mesmas que são aplicadas a outras famílias nas mesmas circunstâncias. Além do mais, o caminho para corrigir más práticas sociais assentes em tradições pouco racionais terá sempre de passar por uma educação sólida e moderna, capaz de levar as gerações mais novas a romper gradualmente com essas tradições e a integrarem-se de forma cada vez mais harmoniosa na sociedade.

B: Não. É injusto o Estado gastar recursos financeiros de todos nós, que tanto nos custaram a ganhar, com pessoas que, muitas vezes, insistem em viver à margem da sociedade e nem sempre respeitam as suas regras.

Estamos a chegar ao fim. Recordo-te que, sendo a vida colorida e não a preto e branco, as respostas que apresentei devem ser encaradas a cores e não apenas a preto ou branco. Há muitas matizes de cor entre umas e outras, felizmente.

Tentei ajudar-te a perceber um pouco melhor o que significa isso de ser “de esquerda” ou “de direita”. Esforcei-me por ser imparcial, escolher os argumentos mais fortes de ambas as partes e apresentá-los com clareza e isenção. No fundo, é isto que o filósofo deve sempre fazer, certo?

            Um abraço e até à próxima!

PROPOSTA DE SOLUÇÕES:

Respostas A: esquerda / respostas B: direita

5 respostas A: convictamente de esquerda

4 resposta A: de esquerda

3 respostas A: de esquerda moderada

5 respostas B: convictamente de direita

4 resposta B: de direita

3 respostas B: de direita moderada

Carlos Café, professor de Filosofia da ESMTG

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