É correta a proibição de obras consideradas inapropriadas e que se acha que vão causar infelicidade às pessoas?

Neste artigo vou abordar o problema do silenciamento de obras literárias em função de possíveis consequências que poderão gerar. Trata-se de uma questão filosófica muito importante, pois há que ter em atenção se as consequências geradas pela publicação de uma certa obra são razão suficiente para a censurar.

“Lolita”, de Vladimir Nabokov, considerado por muitos críticos literários, um dos melhores romances do século XX, foi proibido em Portugal no ano de 1955. O motivo da sua proibição não se deve a questões políticas, dado que o romance não apresenta quaisquer tipos de discussões ou movimentos políticos. O livro foi proibido por descrever, sem condenar, a obsessão sexual, incestuosa e pedófila por parte de Humbert Humbert, um professor universitário de meia-idade, em relação a Lolita, a “sua” ninfita de 12 anos. Por essa razão, o romance causou a muitos leitores uma má experiência, sendo considerado um livro sórdido, doentio, obsceno e moralmente repugnante. A questão que se levanta é: deverá o Estado intervir e proibir a venda da obra de Vladimir Nabokov, de modo a evitar essas más experiências?

Podemos analisar esta situação sob dois pontos de vista rivais.

Quando uma proibição é feita para o bem das próprias pessoas em causa, é paternalista. Ou seja, de acordo com o argumento paternalista, um dos papéis do Estado é proteger as pessoas de si próprias, incluindo impedi-las de comprar e ler livros considerados danosos.

No caso de “Lolita”, segundo a perspetiva paternalista, a sua proibição é correta, pois a leitura daquela obra é prejudicial para quem a lê. Prejudicial porque põe em causa todas as nossas convicções morais e, por isso, a obra causaria infelicidade, não trazendo qualquer tipo de bem a quem a lesse. O objetivo desta censura é poupar uma má experiência aos leitores, tendo em conta que dependem do seu tempo e dinheiro para lerem o romance. Para evitar tudo isto, o Estado intervém e proíbe a venda do livro. Logo, do ponto de vista paternalista, a proibição de “Lolita” é correta. 

Já John Stuart Mill, um filósofo britânico, considerava que as discrepâncias promovidas pela liberdade são a melhor maneira de aprendermos com a experiência e, assim, o único obstáculo à liberdade, incluindo a liberdade de expressão, é o dano claro e inequívoco provocado a terceiros. Por isso, o princípio do dano, uma ideia de Mill para defender a liberdade na sua maior amplitude e que se aplica à liberdade de expressão, afirma que só é correto proibir alguém se isso prejudicar outra pessoa de um modo direto e inequívoco.

Aplicando o princípio do dano à publicação de obras literárias, a pergunta que devemos fazer é se a divulgação de tais ideias prejudica alguém de uma maneira direta e inequívoca. No caso de “Lolita”, muitas pessoas sentiram-se ultrajadas porque muitas das suas convicções morais e maneiras de ver as coisas foram postas em causa. No entanto, Mill diz-nos que este não é um dano claro e inequívoco: é apenas um dano indireto e vago. Logo, de acordo com o princípio do dano, a proibição da obra de Nabokov é incorreta. 

Full Circle Flashback: 'Lolita' Review: "Perfectly Deceptive Black Comedy"
Cena icónica do filme Lolita de Stanley Kubric

Passemos, agora à apresentação das principais objeções a ambas as teses.

A principal objeção ao argumento paternalista, que, considero muito forte, é que se o que se pretende com o paternalismo é o bem das pessoas, então o paternalismo exagerado nunca é razoável, pois provoca um mal maior do que aquele que se pretende prevenir. Esse mal maior é a ignorância e infantilização das pessoas. Se “Lolita” é realmente danoso, a sua proibição leva à ideia de que as pessoas precisam de ser “orientadas” para o seu próprio benefício e isso impede-as de descobrirem por si próprias que é danoso, pois as pessoas precisam da experiência para desenvolver o seu pensamento crítico.

Em relação ao princípio do dano, a objeção que eu considero mais importante, mas não muito forte, é que saber se há um dano direto e inequívoco para alguém é irrelevante e desvia a atenção do assunto em causa, pois sempre que alguém quer expressar uma ideia e alguém quer silenciá-la, há sempre dano envolvido: Quando se silencia, provoca-se um dano a quem silenciamos e, quando não se silencia, provoca-se um dano a quem quer silenciar. Logo, existe sempre um conflito de interesses entre quem quer exprimir-se e quem quer silenciar.

Chegou o momento de apresentar a minha posição sobre o problema filosófico de que temos estado a tratar.

Pessoalmente, acho que nenhuma obra deve ser silenciada devido às consequências que pode gerar, pois como afirma Oscar Wilde: “Não há livros morais nem imorais. Os livros são bem ou mal escritos. Nada mais. As razões de ordem moral constituem sempre o último refúgio dos que não possuem o mínimo sentido de beleza. Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um imperdoável maneirismo de estilo. O artista pode exprimir tudo. Aquilo a que se chama Pecado é um elemento essencial do progresso. Sem ele, o mundo estagnaria, tornar-se-ia senil ou descolorido.”   Por este motivo, não concordo com nenhuma das teses apresentadas e acho que a proibição de qualquer obra devido às suas consequências como, por exemplo, “Lolita” é incorreta.

-Ana Oliveira

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *