Por sugestão dos editores do Jornal Teixeira Mais, a coluna “Cidadania Política” passará a incluir sempre dois textos: um escrito por mim próprio e um texto escrito por um aluno ou aluna que convidarei expressamente para tal.
Nesta semana, a inaugurar este novo formato, teremos um interessante texto da aluna Ana Oliveira, do 10.º K, onde são discutidas filosoficamente questões relativas à liberdade de expressão e publicação de obras.
O meu contributo será um exercício de história das ideias políticas, onde explicarei o contexto conceptual que está por detrás de uma célebre frase do filósofo e político alemão Karl Marx, criador da corrente política de esquerda que ficou conhecida como “Marxismo”.
Esclarecimento do sentido de uma célebre frase de Karl Marx
Karl Marx (1818-1883) não gostava da filosofia tradicional. Escreveu-o com toda a clareza: “Tudo o que os filósofos fizeram foi interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas o que importa é transformá-lo.” Por aqui se pode ver que as suas preocupações eram essencialmente práticas. Não lhe interessava o homem abstrato de que falavam os filósofos, mas as pessoas concretas que ele pretendia ajudar. Toda a teoria marxista se orienta neste sentido: libertar os oprimidos, criar um mundo mais humano. A intenção, como se vê, não é nova; os meios preconizados para a realizar são, no entanto, francamente originais. Vejamos porquê.
Dizemos muitas vezes que todos os homens são iguais. Mas se olharmos para a realidade com um pouco de atenção, verificamos que tal não acontece. Qual é a origem das desigualdades? Marx não tem dúvidas: a propriedade privada. Tudo mudou quando o primeiro homem disse: “Isto é meu!”Nesse dia nasceram as classes sociais. O critério para classificar os homens passou a ser o “ter”. Possuir propriedade privada, no início a terra, depois essencialmente a indústria, passou a ser para o homem o objetivo principal. A história da humanidade é o palco desta “luta de classes” e o resultado, afirmou Marx baseando-se no seu tempo, é a profunda desigualdade existente entre uma minoria de poderosos, a burguesia, e a esmagadora legião de oprimidos, os trabalhadores.
O raciocínio de Marx é o seguinte: se a origem das desigualdades é a propriedade privada, “corta-se o mal pela raiz” abolindo a propriedade privada. Ora, como os que a detêm não a vão dar “de mão beijada”, a única solução é a maioria unir-se e tomá-la pela força, ou seja, fazendo uma Revolução. Esta violência, não sendo desejável, era para Marx inevitável. Os fins justificam os meios, pensava ele, porque o fim a atingir é uma sociedade mais justa, sem pobres nem ricos, sem propriedade privada nem classes, em que as terras, as fábricas e todos os meios de produção sejam pertença comum de todos os homens. Numa palavra, o Comunismo.
Mas se isso é realmente assim, por que motivos os trabalhadores não fazem nada para alterar a situação? — poder-se-ia perguntar. É aqui que entram a moral e a religião. As pessoas não fazem nada porque julgam que isso é errado. Como foram educadas no sentido de respeitar as normas morais vigentes, pensam que elas existem precisamente para ser respeitadas. Marx diz que isso é uma mentira, mas uma mentira tão bem “contada”, que até parece que é verdade. A isso chama ele ideologia. Na sua opinião, a moral surgiu comotentativa de legitimar a propriedade privada e o poder dela decorrente. Quem a inventou? Aqueles a quem as proibições morais são favoráveis: a classe dominante. Por exemplo: a quem convém a regra “Não roubarás!”? Aos que nada possuem não é de certeza… A moral surgiu, assim, como uma “arma ideológica” ao serviço da classe dominante. E para que as classes dominadas não se apercebessem da sua verdadeira função, a moral foi sendo apresentada como algo imparcial, válida para todos os homens e sancionada por Deus. Marx, que era ateu, via na religião um aliado poderoso da moral: a esperança na vida eterna “adormeceria” os trabalhadores, levá-los-ia a aceitar passivamente os costumes e as normas, de tal modo que já não se importariam com a sua deplorável situação real. É esse o sentido da frase “a religião é o ópio do povo”.
Em resumo, segundo Karl Marx, a moral não nasce com o homem: ela é uma invenção, e uma invenção enganadora. A sua função é negativa: serve para convencer os desfavorecidos de que a desigualdade social é uma coisa natural. Uma vez desmascarada, o seu carácter de classe vem ao de cima. Na sociedade sem classes por que lutou, este tipo de moral subjugadora seria substituído por valores humanistas, em que o ser humano valesse por aquilo que é e não por aquilo que tem ou deixa de ter.
Assim pensava Karl Marx. Como é sabido, nem sempre foi isso que foi feito em nome do “Marxismo”…
–Carlos Café, professor de Filosofia