Pode o homem ser considerado um objeto?

De imediato, e com extrema razão, a reação inicial à pergunta apresentada é, possivelmente uma de confusão, devido ao claro entendimento de que algo vivo não é um objeto.

Para explicar o foro do meu trabalho devo começar por cingir o pensamento a apenas um ser vivo: o Homem.

O Homem, vendo-se como senhor, dá peso às coisas que flutuam. Apenas pode um homem decidir o que algo vale, pois mais ninguém sem ser a humanidade necessita de ser juiz. Desta forma tudo, inclusive o valor de uma vida, cabe aos homens resolver.

O valor dado à vida humana, nisto referindo-me à atenção dada à vida como um todo pelos humanos, tem vindo a aumentar, tendo sido mais baixo no passado. A escravatura seria um exemplo claro de como o homem pode passar por objeto, de como o seu valor passa a ser contabilizável. Estando presente desde a antiguidade, e agora sendo abominada, relembra uma verdade: Os conceitos, consensos e morais mudam ao longo das eras. 

Agora, com os consensos do mundo ocidental em que escrevo, olhemos para o ser humano. O que o difere do objeto? Tal como o objeto, ocupa espaço, é controlável e manipulável, pode ser moldado e utilizado para mais fins do que qualquer outra coisa. Poderia até dizer que o homem é o mais útil dos objetos.

No entanto o que difere entre os dois? Poderia ser a consciência? A capacidade adveniente da inteligência de ter senso de si e do espaço que o rodeia? 

Imagino que a consciência seja diretamente ligada à inteligência e à capacidade intelectual do ser. Quanto mais “inteligente” mais consciente, um bebé seria menos consciente do que um homem adulto, por exemplo. 

Para explicar os lados de um possível argumento darei este exemplo: uma pessoa sofreu uma morte cerebral e está acamada, esta já não é consciente, mas é mantida viva por máquinas. Ela agora é um objeto? Se a resposta a esta pergunta for não então a diferença entre o homem e o objeto não é a consciência, podendo-se insistir no detalhe de que algo que teve consciência, mesmo já não a possuindo, e “vive”, ainda é um ser vivo. Se a resposta dada for sim então significa que a linha traçada é a da consciência. No entanto existe outro percalço.

Para o explicar terei de mudar um pouco a pergunta, para abranger não só um, mas todos os seres vivos, de modo que a pergunta será: O que difere um ser vivo de um objeto?

A mesma resposta à versão anterior pode ser dada: “É a consciência que separa o vivo do inanimado”.

Introduzo então uma possibilidade extremamente rebuscada: a de um “objeto” ganhar consciência. É do conhecimento geral que o poder de processamento e o poder lógico dos computadores tem vindo a crescer exponencialmente, ainda mais com o desenvolvimento da A.I (inteligência artificial). Poderiam os computadores, com isto, tornarem-se conscientes? 

Logo de caras argumentos podem ser lançados contra esta odiosa ideia. Um exemplo que adapto um pouco é o do quarto chinês, criado por Jonh Searle. Contra este crio uma resposta possivelmente presunçosa. Comparo o quarto chinês ao cérebro humano. A informação entra, é processada, uma resposta é criada e sequencialmente enviada. O processo parece-me ser o mesmo, levando-me a ponderar se o homem e a máquina estarão tão distantes. 

De qualquer modo, da hipótese de Searle retiro um ponto: Não é só a inteligência, ou capacidade de processamento, o único requisito para a consciência. A esta adiciono a experiência. 

Um nado não começa só a recolher dados desde o seu nascimento, mas também experiências: o doce e o salgado, o quente e o frio, o aconchego da sua mãe e o medo da despedida. Este entende o que a informação significa, daí ser consciente das situações.

Se forem fornecidas experiências a uma máquina para suportar os dados, imagino que esta passará a barreira da consciência, talvez até mais do que os homens.

Voltando ao tema em questão, e com a anterior possibilidade levantada, isto deixa uma pergunta: Se as máquinas ganharem consciência passaram estas a ser seres vivos também? 

A partir do alcançar da consciência por “objetos”, o conceito daquilo que significa ser um ser vivo e não um objeto poderia mudar, como mudou tantas outras vezes, e com ele o próprio conceito de vida.

Nisto, no entanto, encontro mais um problema. Se é a consciência que simboliza a obtenção da existência por parte de um ser, como é que explico as árvores, o hipotético homem acamado, os microrganismos e todos os seres guiados meramente por instinto que, de forma relativamente arrogante, poderiam ser descritos como desprovidos de consciência?

A minha resposta a esta possível alegação é a crítica à assunção de que estes seres vivos não possuem consciência. Os níveis de poder lógico diferem, é claro, mas não sejam por isso ostracizados. Os seres referidos possuem apenas um nível de consciência diferente do dos homens. Existem instintos e necessidades base e, partindo destes, com algumas diferenças de acordo com o senso de cada animal, começa a evolução. Mesmo uma pessoa que sofreu de uma morte cerebral se enquadra de certa forma neste espectro. Se esta vive então apresentará algum grau de consciência, ainda que ínfimo. Sem o mais pequeno senso e sentido, uma pessoa deixa de existir, sem a possibilidade de consciência, o ser ou morre, ou nem chegou a viver.

Advindo desta ideia, aponto a possibilidade de a consciência dos computadores diferir da dos homens, num ponto mais evoluído. 

Cimento então mais uma vez o meu ponto: Deve ser a consciência, com base na inteligência e experiência, o sinal da existência de vida. 

As hipóteses anteriormente descritas serviram, muito resumidamente, para apontar uma questão. Se um objeto ganhar consciência, passa este a ser considerado um ser também? No final cabe apenas aos homens decidir o nome das coisas. 

Finalizando a minha apresentação, a minha pergunta foi: pode o homem ser considerado um objeto? E após a apresentação de algumas ideias foi alterada para algo mais abrangente: O que difere um ser vivo de um objeto?

Como disse, os conceitos e consensos mudam com o passar das eras, e algo de há uns séculos atrás, hoje será antiquado e já terá sido repensado múltiplas vezes. Com essa ideia em mente reformulo ultimamente a minha pergunta: Poderá o conceito do que significa ser um ser vivo, distante de um objeto, alguma vez mudar de forma a que o objeto viva ou, apesar de difícil, de forma que homem seja considerado um objeto?

-Zémi

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