Será Possível a Existência de um Modelo Económico Perfeito?

De modo a facilitar a compreensão deste artigo, baseei-me no episódio piloto da sitcom “Friends”. Uma das protagonistas (Rachel) é descendente de uma família rica e bastante dependente do dinheiro do pai. Procurando a sua independência financeira, foge do próprio casamento. Entretanto, em Manhattan, cinco amigos (Chandler, Joey, Phoebe, Ross e Monica) encontram-se num café a conversar. A certa altura, entra Rachel vestida de noiva, acabada de fugir do seu casamento. Mais à frente, apesar de procurar a sua independência, Rachel continua a usar os cartões de crédito do pai para pagar compras em lojas de roupa. Então, as outras cinco personagens, encorajam-na a cortar os cartões de crédito do pai para a obrigar a procurar por trabalho para conseguir a independência. No momento em que os corta, Monica confessa “Bem-vinda ao mundo real! É uma porcaria! Vais adorar”.

Será possível a existência de um modelo económico perfeito? Um tema bastante relevante para a nossa sociedade, visto que em todo o mundo nos debatemos com enormes desigualdades.
Podemos analisar este problema de várias formas. Neste ensaio abordarei duas: o liberalismo (doutrina económica que visa limitar os poderes do Estado face às liberdades individuais) e o comunismo (doutrina que defende a coletivização dos meios de produção, a repartição dos bens de consumo de acordo com as necessidades de cada um e a supressão das classes sociais). Terei como base Adam Smith e Karl Marx, respetivamente.

Autor de “A Riqueza das Nações” é um dos mais famosos liberais da história. Smith mostra que a riqueza das nações assenta na divisão do trabalho: “A opulência (riqueza) nasce da divisão do trabalho”. A conceção liberal do homem é “um ser racional que apenas procura um máximo de lucro com um mínimo de esforço”. Baseia a sua tese na análise da repartição de tarefas produtivas numa manufactura de agulhas, em que o fabrico de cada agulha é fragmentado em dezoito operações diferentes. A divisão do trabalho aumenta a aptidão dos operários e permite suprimir os tempos gastos na passagem de uma atividade para a outra. Alarga a sua reflexão a um quadro internacional, formulando uma lei dita de “vantagem absoluta”: cada país deve especializar-se nos bens que consegue produzir a preços mais baixos que os países estrangeiros. Numa economia onde reina a divisão do trabalho, cada produtor, tendo de vender o seu produto, deve rivalizar com todos os outros pela satisfação do consumidor. Aquele que procurar enriquecer evitando o esforço de servir o cliente ou oferecendo preços proibitivos está condenado à falência. A busca do lucro individual leva o produtor, quase contra a sua vontade – como se fosse impulsionado por uma “mão invisível” – a servir os interesses da maioria. Os interesses individuais e o interesse da sociedade harmonizam-se. Explicou bem a sua ideia dizendo: “⁠Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que espero o meu jantar, mas da consideração que eles tem pelos próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que eles podem obter.”

Contudo, Adam Smith reconhecia três missões ao Estado: defender a sociedade através da manutenção de forças armadas, administrar a justiça e assumir a produção de certos bens e serviços, que, apesar de indispensáveis, não podem ser fornecidos pelo setor privado (estradas, portos, canais e certos serviços coletivos como a educação). Assim sendo, as taxas e os impostos poderiam também ser reduzidos. A sua doutrina de mercado

livre e sem restrições foi considerada revolucionária, tanto por atacar os privilégios e os monopólios comerciais e agrícolas estabelecidos, como por argumentar que a riqueza de uma nação não depende das suas reservas de ouro, mas sim do trabalho, uma posição contrária a todo o pensamento económico europeu do tempo.
Ainda que estas medidas tragam uma série de liberdades, este não é o tal modelo perfeito: apesar da ideia de divisão do trabalho ser indubitavelmente mais eficaz, tinha um efeito devastador sobre o estado de espírito e ânimo dos trabalhadores; a “mão invisível” só funciona bem quando tanto a produção como o consumo opera em mercados livres, com pequenos produtores e consumidores, permitindo que a oferta e a procura se equilibrem. Em condições de monopólio, a “mão invisível” falha.

“Há um espectro que assombra a Europa, o espectro do comunismo”. Assim começa uma das obras mais influentes da História da Política, “O Manifesto do Partido Comunista” de Karl Marx e Friedrich Engels. A filosofia destes ficou conhecida como materialismo dialético. Dialético porque incorporava a ideia hegeliana de mudança; materialismo, porque tudo dependia da realidade física e social. O processo dialético é visto como uma valsa a três tempos – tese, antítese e síntese – que serve para descrever qualquer sucessão de acontecimentos. Aqui está um ovo, a tese. Quebramos um ovo, a antítese. Fazemos uma omelete, a síntese. Aplicada à história, isso significa que cada fase contém possibilidades, primeiro reprimidas mas depois reafirmaras. O problema desta dialética não é ser falsa, mas ser equívoca. Para Marx, através de todos os séculos da História da humanidade houve circunstâncias que se mantiveram iguais: a luta entre classes e a exploração de uma classe por outra. Qualquer mudança histórica é sempre resultado de uma luta contínua entre classes sociais opressoras (altas) e oprimidas (baixas). Inevitavelmente como luta económica das classes pela sua existência, ela é o princípio explicativo de todos os fenómenos históricos (económicos, políticos e sociais) e o motor da história.

Na obra, insistem em dizer que os filósofos anteriores limitam-se a tentar interpretar o mundo, quando o mais importante é tentar mudá-lo. Assim sendo, Marx apresentou o seguinte programa revolucionário: a revolução instala um poder transitório, a “ditadura do proletariado”, cuja primeira missão consiste em realizar o socialismo, ou seja, a socialização dos meios de produção. O seu objetivo, a médio prazo, é a diminuição dos poderes do estado e a instauração de uma sociedade organizada pelos trabalhadores em benefício de todos. O seu objetivo a longo prazo é o comunismo. Surgia aqui, pela primeira vez, uma análise incisiva oposta aos economistas clássicos (como Smith). A vitória do proletariado traria a primeira sociedade sem classes. O mercado e o livre câmbio trabalhavam em prol do capitalista, às custas do proletariado, que era explorado. Marx entendia que essa sociedade perfeita não necessitaria de um governo, mas apenas de uma administração que os líderes da revolução poriam em funcionamento: o “partido” comunista (referia-se mais a quem se juntasse à causa do que qualquer organização específica).

Segundo a teoria marxista, o capitalismo é um regime económico, político e social dominado pela procura de mais-valia graças à exploração dos trabalhadores por aqueles que possuem os meios de produção e de troca. Argumenta que o sistema capitalista não é meramente explorador, mas financeiramente instável por natureza, o que leva à repetição de crises comerciais, de gravidade crescente, à pobreza cada vez maior dos trabalhadores e à emergência do proletariado como única classe genuinamente revolucionária. Marx apresentara uma lista de

reformas para o sistema capitalista: impostos progressivos; abolição do trabalho infantil, a educação gratuita para todas as crianças; abolição da propriedade privada e o monopólio do Estado em áreas como a banca, as comunicações, entre outras.
Segundo Marx, o dinheiro tinha “retirado ao mundo inteiro, tanto ao mundo humano como ao natural, o seu valor intrínseco. O dinheiro é a essência alienada do trabalho e existência do Homem; esta essência domina-o e ele idolatra-a”. Para comprovar isso, posso usar também o episódio piloto de Friends. Quando Rachel entra em cena vestida de noiva e Ross tinha acabado de dizer que só desejava voltar a ser casado novamente, Chandler satiriza dizendo “E eu só quero um milhão de dólares!”

Parece diminuir as desigualdades, mas também não é o modelo perfeito: quando Marx diz que a história é a luta de classes, põe de lado a luta de nações, etnias e religiões. Não estão a falar de como é a história mas de como deveria ser.; tendia para a concessão ao proletariado de atributos apenas positivos e para uma sugestão: uma sociedade comunista daria lugar, de alguma forma, a um novo tipo de ser humano. Mas nunca esclareceu como é que a ditadura do proletariado seria diferente das anteriores formas brutais de ditadura, nem de que forma poderia evitar os efeitos corruptores do poder; coube a Estaline, Lenine e Mao Zedong mostrarem o que seria a sociedade sem classes.

Segundo Winston Churchill, “A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias”. Aproveitando a citação do famoso político inglês, na minha opinião, não há, nem nunca vai haver modelos económicos perfeitos. Como Descartes diria, a algo perfeito não pode faltar nada, mas em qualquer sistema, para satisfazer uns acabamos por prejudicar outros.

Tal como Jorge Palma diz: “Todos nós pagamos por tudo o que usamos(…)/Reduz as necessidades se queres passar bem”. Retirado na música “A Gente vai Continuar”

Gustavo Silva 11K

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