Emily Dickinson é considerada uma das maiores poetisas americanas de todos os tempos. Viveu sempre na pequena vila de Amherst, no estado de Massachusetts, mas foi só após a sua morte, em 1886, que encontrou, finalmente, fama e reconhecimento. Desde então, os seus poemas foram ensinados nas escolas e foram lançados vários livros, filmes, documentários e até mesmo séries sobre a sua vida e obra. Há no entanto uma que se destaca, “Dickinson”, estreada em 2019 na Apple TV+, criada por Alena Smith e protagonizada pelas atrizes Hailee Steinfeld e Ella Hunt.
Esta é uma das biografias mais impressionantes e importantes feitas sobre Emily, em vez de retratar a sua vida recorrendo apenas a dados biográficos, utiliza também interpretações literais dos seus poemas e bastante comédia. Assim, a série ganha um aspeto mais fluido e conta com imensos momentos divertidos. Uma das características mais interessantes é que, apesar do seu tom “leve” e alegre, são tratados assuntos importantes e relevantes ainda hoje, como por exemplo o “papel da mulher” e a sua luta pela igualdade de direitos. A série é de época mas são utilizadas linguagem e músicas contemporâneas o que, pode servir não só para tornar a série mais engraçada, mas também para reforçar a ideia de que Emily estava à frente do seu tempo.
Outro aspeto, e talvez o mais importante, é que, em vez de mudar a sua história, apenas muda a perspetiva em que é contada e acaba com preconceitos relacionados à poetisa, que foram apenas criados por ela ser mulher e não se conformar com certas situações que se passavam naquela época.
A igualdade de género é uma questão abordada múltiplas vezes ao longo da série. Emily é constantemente pressionada para casar, é impedida de fazer coisas tão simples como assistir a uma aula na universidade (que naquela época era exclusiva a homens) e é vista como propriedade. O seu futuro vê-se limitado à ideia de se tornar numa dona de casa e a sua essência é questionada por muitos. Por passar grande parte do tempo em “reclusão” no seu próprio quarto a escrever, era considerada “louca”, no entanto, se homens fizessem o mesmo, eram tidos como génios.
Claro que não nos podemos esquecer de falar do grande amor de Emily. Houve muita especulação quanto a esse assunto e, depois de uma análise aos seus poemas e cartas (que foram modificados e censurados para esconder o verdadeiro recetor), chegou-se à conclusão que a razão que levou Emily a fechar-se no quarto, foi ter sofrido de depressão devido à rejeição de um homem conhecido como “The Master”. Mas, felizmente, não pararam por aí, ao analisar as cartas mais pessoais da Emily e ao ver as versões rasuradas dos poemas, chegaram a outra conclusão: talvez o seu amor não fosse um homem, mas sim a sua cunhada, Sue Gilbert, que era ou a recetora ou a inspiração de grande parte dos seus poemas.
Saindo um pouco do assunto da série e indo para a vida real, é um pouco triste o quão difícil foi de perceber e, principalmente, aceitar isto. Lendo o livro “Open me Carefully”, uma compilação de cartas e poemas da Emily para a sua cunhada, consegue-se sentir, através das páginas, o quão fascinada e apaixonada ela estava por Sue e vice-versa. Na altura todos descartaram essa possibilidade e consideraram que era só intimidade entre duas amigas, pois era impensável uma mulher amar outra mulher, diria até que era impossível. Felizmente, “Dickinson” mostrou a sua posição fazendo de Emily e Sue o casal principal da série que, contra tudo e todos, fazem as suas vidas juntas da melhor maneira que podem.
Na série há várias referências à cultura pop, desde músicas de artistas extremamente conhecidos como Billie Eilish ou até da própria atriz principal, Hailee Steinfeld, até ao filme “Girl, Interrupted”, por exemplo. Mas as curiosidades não param por aí: após a morte da Emily, os irmãos pediram a Sue que fosse ela a preparar o corpo e a escrever o obituário, o que, mais uma vez, demonstra o quão próximas elas eram. No âmbito da sua obra podemos dizer que, apesar da maioria dos seus poemas terem sido descobertos após a sua morte, a poetisa chegou a publicar alguns, pouquíssimas vezes e sempre em anonimato. Um deles, “One Sister have I in our house-“, dedicado a Sue, foi completamente censurado pela editora Mabel Loomis Todd.
Com isto, esperamos que tenham ficado com vontade de ver esta série que é tão importante para compreender o passado, bem como o presente, e que pode realmente acabar por ser uma experiência de reflexão incrível. Como Emily Dickinson disse: “If I read a book [and] it makes my whole body so cold no fire ever can warm me, I know that is poetry” (Se eu ler um livro e ele fizer todo o meu corpo ficar tão frio, que nenhum fogo me possa aquecer, eu sei que isso é poesia). E foi assim que nos sentimos a ver esta série.
– Ana Tomé e Sofia da Costa