Falar de Nadir Afonso é quase falar de uma suposta “alma gémea” em termos de gosto artístico… A junção de duas Artes (a Pintura e a Arquitetura) em torno de uma temática fascinante, a Geometria, a pureza das formas.
Nadir Afonso Rodrigues nasceu a 4 de dezembro de 1920, em Chaves e faleceu em Cascais a 11de dezembro de 2013.
Aos 4 anos de idade pintou um círculo perfeito, com tinta encarnada, na parede da sala onde vivia.
Nadir concluiu o ensino secundário no Liceu de Chaves, em 1938. Foi distinguido na pintura, com diversas obras, durante a adolescência, tendo sido galardoado com o segundo prémio de um concurso nacional, em 1937 (“Qual o mais belo trecho da paisagem portuguesa?”).
Tinha intenção de cursar pintura, mas, ao chegar ao Porto, foi convencido a frequentar o curso de Arquitetura, por um funcionário da Escola Superior de Belas Artes, curso que terminou em 1946.
Aí, o contacto com outros artistas (colegas e professores) colocou-o na génese de um grupo de artistas intitulado “Grupo dos independentes”. De início limitavam-se a organizar eventos no restrito círculo das Belas Artes do Porto, para, a partir de 1943 extravasarem para Braga, Coimbra, Leiria e Lisboa as suas exposições.
Muitos foram os arquitetos, escultores e pintores que integraram este grupo, alguns deles votados ao esquecimento. Outros tornar-se-iam nomes sonantes da Arte Portuguesa da primeira metade do séc. XX, quer pelas suas propostas artísticas inovadoras, quer como contraponto conservador geracional e artístico – Abel Salazar, António Lino, Dórdio Gomes, Fernando Lanhas, Júlio Pomar, Júlio Resende, Nadir Afonso, Victor Palha.
Entre as tendências intelectuais e artísticas da década 40, o Neo-Realismo cria raízes e o Surrealismo desperta, finalmente em Portugal, após duas décadas de existência lá por fora.
Nadir Afonso ensaia vários percursos na pintura, nomeadamente no Expressionismo, no Surrealismo e, fortemente influenciado por Fernando Lanhas, no Abstracionismo Geométrico.
Nesta época a sua obra, embora ainda que aparentemente figurativa, sugere já, de forma explicita e clara, formas geométricas (círculos, quadrados e triângulos), que Nadir acabaria por desenvolver mais tarde, num universo característico, assente na morfometria (no universo da matemática, a morfometria é a combinação de quantidades exatas).
Pintor e esteta, Nadir Afonso pinta com a ponderação e certeza do matemático, procurando a razão de uma obra liberta de emoções.
Numa fase inicial (limiar dos anos 50), Nadir debruça-se sobre o equilíbrio geométrico, a harmonia dos temas. Estamos perante uma estilização, procura dos ritmos e da correspondência geométrica de algo que se desenvolve na superfície do quadro. Estamos, pois, perante a unidade através do estilo, o paralelismo da pintura com a música, que anuncia uma atitude barroca de criar.
A pesquisa do sentido do ritmo e a tentativa de recriar o movimento real levou Nadir Afonso a pintar quadros “cinéticos”, entre finais dos anos 50 e início dos anos 60. A arte cinética como a articulação entre a arte dos espaços (a arte geométrica) e a arte dos sons (a arte dos ritmos). Na conceção de Nadir Afonso, é na conjugação do espaço e do tempo que reside a arte cinética. Uma arte fundamentada nas leis dos espaços geométricos e dos ritmos. O movimento com cadência matemática.
No início dos anos 60, depois de ter estudado Belas Artes em Paris e ter vivido no Brasil, onde colaborou com o arquiteto Óscar Niemeyer, regressa a Portuga, mas não sem antes ter voltado a França. Aí colaborou com Le Corbusier e tornou-se amigo de Vasarely, dois artistas, que trabalharam também os problemas do espaço. Então, a sua geometria passou a sugerir espaços, geralmente citadinos. A intenção estética, a presença imediata do real do espaço representado, aproxima-nos de uma pintura figurativa… tridimensional… onde a harmonia do espaço real é reduzido ao mais simples, ao essencial… sugerindo uma nova estilização. Nadir Afonso nunca foi tão arquiteto como quando decidiu ser pintor.
Quando questionado sobre a razão de ter abandonado a Arquitetura, Nadir Afonso respondeu: “Como pintor, o Homem é solicitado por leis de harmonia, que são leis dos espaços matemáticos. E, como arquiteto, o Homem é solicitado por uma força que depende unicamente de relações, de funções, de qualidades de perfeição da Natureza. O arquiteto deve responder, por conseguinte, a uma utilidade, a uma necessidade do Homem. Há, por conseguinte, duas forças opostas: de um lado, como arquiteto, eu viso a perfeição; de outro lado, como pintor, eu viso a harmonia. Daí, a dualidade necessária e o conflito entre as faculdades, as funções de arquiteto e as funções de pintor. Na medida em que eu evitei esta dualidade, isto é, na medida em que eu abandonei a arquitetura, posso muito mais facilmente expressar-me como pintor, porque nesta altura apenas viso a qualidade a que chamei harmonia, que é, como digo, a qualidade dos espaços matemáticos.”
Nas suas próprias palavras, Nadir privilegia a qualidade harmonia, como na pintura de Vasarely, em detrimento da qualidade perfeição, que associava a uma arquitetura como a de Le Corbusier.
Com esta ou aquela forma de estilização, Nadir procura, acima de tudo, “a pura harmonia”, utilizando cores puras, que organiza em formas decorativas ou sequências geométricas, sugerindo um ritmo ou efeitos óticos.
-Telma Lança, professora de Geometria Descritiva e de Oficina de Artes da ESMTG