É possível um aluno chegar ao fim do secundário sem saber quase nada de política. Ou, o que é pior, sair de lá com a ideia de que a política é uma coisa “feia, porca e má”, para adaptar o título do célebre filme do realizador italiano Ettore Scola.

Não é só na escola que a palavra “política” suscita habitualmente uma cara feia, um ar de reprovação ou uma ordem firme e resoluta do género: “À mesa não se fala de política!”. Normalmente são as mães que dizem isto e fazem-no porque querem preservar um bom ambiente, tranquilo e sem discussões, durante as refeições familiares.

Por que acontecerá quase sempre isto quando se fala de política? Será realmente algo de pouco recomendável que deva ser mantido a uma saudável distância das crianças e dos jovens? Talvez não seja má ideia começar por regressar ao batismo da política, para tentar perceber, através da origem da palavra, alguma coisa de útil sobre ela.

Tal como muitas das palavras mais importantes da civilização ocidental, também a palavra “política” foi criada pelos Gregos na Antiguidade clássica. É uma derivação da palavra “pólis”, que significa cidade. Aristóteles, um célebre filósofo do séc. IV A.C, escreveu um dia que “o Homem é um animal político”. Queria ele dizer com isso que, ao contrário dos animais, que têm os seus instintos para se protegerem, os seres humanos apenas conseguem proteger-se e desenvolver as suas potencialidades se o fizerem em grupo. Esse grupo é a sociedade.

Os Gregos valorizavam tanto a participação cívica dos cidadãos nos assuntos da “pólis” que, quando Atenas inventou a democracia, os cargos políticos eram por sorteio.  Acreditavam eles que todo o cidadão estaria, à partida, preparado e motivado para ajudar a tomar as melhores decisões para a comunidade. Mas, mais importante do que isso, eles consideravam que isso era, não apenas um direito, mas essencialmente um dever, que traria a honra a si e às suas famílias.

Sabemos que não é assim que as pessoas veem hoje em dia a dedicação à política. Chamar “político” a alguém está habitualmente mais próximo do insulto do que do elogio. Falar de “politiquices” é falar de uma conduta reprovável.

Outra frase muito ouvida é: “eu só quero saber da minha vida, não me meto em políticas”.Lamento, mas a essas pessoas eu terei de dizer: “pode não se meter em política na sua vida, mas olhe que a política está metida em si e omnipresente na sua vida!”.

Vou explicar esta ideia com um exemplo muito prático. Daqui a uns anos, vais viver na tua própria casa. Ter o nosso próprio espaço é muito bom, vais ver. Mas implica normalmente duas experiências nada agradáveis. Uma são as mudanças, por razões que me dispenso de indicar. A outra, ainda pior, são as reuniões de condomínio. A pessoa que diz que não se mete na política é a mesma que se recusa a ir às reuniões do condomínio porque não acredita ou não concorda com o modo como se tomam as decisões. Prefere manter-se orgulhosamente à parte de tudo aquilo. Mas qual é o resultado prático de tal recusa obstinada e “heroica”? Vai ter de aceitar e cumprir o que foi decidido na reunião, quer concorde com isso ou não. Se tivesse ido, talvez tivesse contribuído com as suas ideias para se encontrarem melhores e mais justas decisões. Como não foi, vai limitar-se a cumpri-las, sejam elas boas e justas, ou não.

Outro caso parecido é ter orgulho em não votar. “Os partidos são todos iguais!”, dizem. “Só votaria num partido se ele defendesse os meus interesses e não há nenhum que o faça!”. Este exemplo é curioso. Faz-me lembrar uma pessoa que se recusa a apanhar autocarro algum porque nenhum para exatamente à sua porta. E acaba por ter de ir todos os dias a pé…

Este ponto de vista, que conduz habitualmente à desilusão em relação à democracia, tem na sua origem uma confusão entre ética e política. É verdade que toda a atividade política se inspira em valores éticos, mas são coisas diferentes.

Ética é o conjunto de valores que tu consideras os mais adequados ao teu ideal de vida, política é a defesa do interesse comum, não necessariamente dos teus próprios interesses. A ética é do domínio da reflexão privada, a política do domínio da esfera pública.

Por tudo isto, podemos (e talvez devamos) ser inflexíveis na aplicação dos nossos valores éticos, mas na vida política temos de ser flexíveis. Um ideal ético é uma escolha pessoal, uma orientação política é um projeto social. Ou seja: a ética é a procura de um ideal, a política a obtenção de entendimentos. É esta a razão de ser da expressão “a política é a arte do possível”, porque, se procuramos o bem comum, temos de “negociar” com os outros o que fazer para o conseguirmos.

Por hoje é tudo. Este foi o primeiro de uma série de artigos sobre política que escreverei a pedido dos responsáveis pelo jornal. A ideia é esclarecer os estudantes do agrupamento sobre o que é a política, numa perspetiva pedagógica e de cidadania, de forma apartidária e não ideológica.

No próximo artigo tentarei explicar o que significa ser de “esquerda” ou de “direita”, entre outras coisas. Obrigado pela atenção.

Carlos Café, professor de Filosofia da ESMTG

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