Desde sempre, o ser humano procura a razão de viver, procura o desejo de segurança, procura algo que dê sentido à sua vida, algo que explique ou que lhe dê respostas às questões que não consegue responder. Ao longo do tempo, o Homem começou, então, a acreditar numa entidade superior que o guiasse, na tentativa de não mergulhar na escura incerteza da vida e ter justificações e respostas ao que não sabe e não consegue entender. Mas, será que esta entidade superior todo-poderosa, Deus, existe? Esta é uma questão que afeta o nosso modo de agir, de interpretar e compreender o mundo em nosso redor.
Segundo a conceção teísta, Deus é omnipresente (está em todo o lado), omnipotente (pode fazer tudo), omnisciente (sabe tudo), sumamente bom, o espírito eterno e infinito, um ser pessoal, criador do universo e intervém no nosso mundo. Ou seja, é um Ser sumamente perfeito. Porém, não é uma entidade espácio-temporal, ou seja, é exterior ao tempo e ao espaço.
No passado dia 8 de janeiro deste ano, Steven Hawking, se ainda estivesse vivo, faria 81 anos. Steven Hawking foi considerado o físico teórico mais brilhantes desde Einstein. Aos 21 anos, descobriu que tinha uma doença chamada esclerose lateral amiotrófica que, ao longo do tempo, o paralisou por completo, sem afetar as funções cognitivas. Uma doença, de facto, terrível e pavorosa, que me faz questionar a existência deste ser todopoderoso. Por que é que Deus não impediu que esta doença surgisse em Steven Hawking, uma vez que é todo poderoso? Como compatibilizamos a existência de Deus, um ser sumamente bom, omnisciente e omnipotente, com o holocausto? (…) Sendo Deus um ser com tais características, tem forçosamente de saber que o mal existe, de não querer que haja mal e de poder eliminá-lo. Então, como se explica o mal?
Diversos filósofos objetam que a existência de tanto mal no mundo é compatível com a existência de Deus, dado o facto de Ele nos ter dotado de livre-arbítrio. Argumentam que é melhor viver num mundo onde temos livre-arbítrio do que viver num mundo onde não passamos de fantoches nas mãos de Deus. Assim, ainda que Deus pudesse criar um mundo sem mal, uma vez que é omnipotente, a sua bondade fez com que nos concebesse liberdade de escolha. Deste modo, o mal que existe no mundo resulta das nossas ações e escolhas livres. Este argumento parece justificar o mal moral no mundo (aquele que resulta das ações humanas), como o holocausto. Mas, vejamos o seguinte. De acordo com este argumento, o Homem possui livre-arbítrio. Se possui livrearbítrio, Deus não sabe nem influencia previamente que escolhas faremos. Então, Deus desconhece o futuro. Logo, não é omnisciente. Como a sua omnisciência não pode ser colocada em causa, então Deus não existe.
Para além disso, o argumento não explica a existência dos males naturais (aqueles que resultam de acontecimentos naturais e que não dependem da vontade humana), como a doença de Steven Hawking. Muitos filósofos defendem que o mal natural permite a existência de bens maiores, os quais justificam este mal. Por exemplo, se não existissem males naturais, não haveria heroísmo para salvar pessoas inocentes de terramotos. Daí, Deus permitir este tipo de mal.
Será esta uma justificação plausível para a ocorrência de um terramoto, capaz de provocar milhares de mortes? Não seria possível, para um ser omnipotente, proporcionar esses alegados bens, sem ter de recorrer a uma tragédia? Como Deus é omnipotente (pode fazer tudo), então é capaz de proporcionar esses bens, sem recorrer, por exemplo, a um terramoto devastador. Mas, Deus não o faz. Logo, ou não é omnipotente ou não é sumamente bom. Uma vez que a sua omnipotência e benevolência não podem ser postas em causa, então Deus não existe.
Um outro argumento que defende a existência de Deus é o argumento do desígnio ou teleológico. Este pressupõe que o universo existe segundo um fim, que é um desígnio de Deus. Um exemplo muito usado é o do relógio: um relógio tem uma estrutura complexa e as suas partes estão de tal forma ajustadas entre si, que a mais pequena alteração impedi-lo-ia de fazer aquilo para que foi concebido. Daqui, retiramos que um relógio tem um desígnio ou propósito e, por isso, um criador inteligente, neste caso, o ser humano. Sabemos que, se encontrarmos, por exemplo, um relógio num outro planeta, este só pode ter sido criado por seres inteligentes, porque todos os outros objetos semelhantes a este de que tenhamos conhecimento nunca surgiram espontaneamente, foram sempre criados pelo Homem. Bom, tal como o relógio, também os seres vivos e a natureza apresentam complexidade, ordem e as suas partes um ajuste perfeito. Isto é, as usas partes também estão organizadas e associadas com um propósito. Se estivessem organizadas de um modo diferente não cumpririam a sua função. Deste modo, também os seres vivos e a natureza têm um criador inteligente e, por conseguinte, também o próprio universo. Como o criador tem de ser proporcional à obra criada, esse criador só pode ser Deus. De acordo com este argumento, o modo ordenado e complexo como o universo está organizado revelam o desígnio de um ser divino. O argumento defende que o universo está afinado de maneira tão minuciosa que não pode ser obra do acaso.
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Uma objeção a este argumento é o Darwinismo. De acordo com a teoria de Darwin, a atual variedade e complexidade de seres vivos, bem como o perfeito ajuste das suas partes deve-se à seleção natural. Este mecanismo de evolução defende que as diferenças entre membros da mesma espécie aumentam as hipóteses de sobrevivência e, consequentemente, de reprodução dos seus portadores no meio em que vivem. A repetição deste processo, ao longo do tempo, faz com que os organismos e as respetivas partes pareçam ter sido desenhados para se adaptarem às condições do seu ambiente ou para desempenharem determinadas funções. Quando, na realidade, são fruto de variações aleatórias, que foram sendo preservadas de geração em geração, pelo facto de representarem uma maior eficácia adaptativa. Ou seja, a ordem do mundo é fruto do acaso. O desígnio da natureza é, portanto, um desígnio aparente e não real, por isso, não há uma causa inteligente que seja a origem deste desígnio. Isto quer dizer que o universo não teve de ter um criador.
A ideia de que o universo e os artefactos humanos são semelhantes, permite inferir que as causas têm características semelhantes, portanto Deus é, de alguma forma, semelhante ao Homem. Isto implica que Deus seja finito, imperfeito e que tenha certas limitações, tal como o ser humano. Também não é possível afirmar que os atributos da divindade são infinitos, porque a sua obra não é infinita e, como a causa deve ser proporcional à obra criada, também a causa não o é. Daqui, conclui-se que Deus não poderia ter construído o mundo, uma vez que é, em certa medida, semelhante ao Homem. Logo, o argumento do desígnio é refutado por uma das afirmações em que precisa de se apoiar.
Descartes foi um filósofo que tentou provar a existência de Deus. Um dos seus argumentos foi o “argumento da marca”. Descartes começa por constatar que tem inúmeras dúvidas e que, por isso, é um ser imperfeito. Então, questiona-se: como é que eu sei que sou um ser imperfeito? Porque tenho em mim a ideia de perfeição. Mas, de onde apareceu a ideia de perfeição? Descartes admite que não a obteve através da experiência dos sentidos, uma vez que não são uma fonte segura de conhecimento e porque nunca observou algo perfeito. Admite também que não foi ele quem a criou, porque é um ser imperfeito e, por isso, não pode ter criado algo perfeito. Segundo Descartes, um ser não pode criar algo mais perfeito que ele próprio. A partir destas constatações, Descartes afirma que a ideia de perfeição foi criada por um ser perfeito, que a colocou em nós, como uma “marca”. Concluindo que esse ser existe e que esse ser perfeito só pode ser Deus.
Porém, uma boa objeção colocada ao argumento é a seguinte: a afirmação de Descartes “um ser não pode criar algo mais perfeito que ele próprio” é disputável. Há inúmeros exemplos de pessoas que se superaram a si mesmas e que produziram algo mais perfeito do que tudo o que desse género havia sido feito. Parece irrefutável que é possível a um ser imperfeito dar origem a algo mais perfeito do que ele próprio.
Ao longo deste trabalho, fui provando que a existência de Deus é, de facto, refutável, através de diversas objeções a alguns argumentos que pretendem prová-la. A existência de mal no mundo é a maior prova que temos de que este Ser não existe. Do meu ponto de vista, as pessoas continuam a acreditar em Deus pela esperança que lhes dá. É mais reconfortante saber que temos um herói divino que pode e nos vai ajudar nos nossos piores momentos, do que acreditar que estamos por nossa conta. A ideia de que Deus pode nos proporcionar uma vida melhor, uma vida eterna, proteção e segurança leva-nos a refugiar na ideia de que o mesmo existe.
Portanto, respondendo ao título deste ensaio, Deus não existe.
Laura Duarte, 12ºK