PORQUE SOU FEMINISTA 

Lembro-me bem da cara desse meu aluno quando, há uns anos, disse numa aula: “eu sou feminista!”.

Pela expressão, julgou duas coisas erradas: que eu era homossexual e que sê-lo é uma coisa má. Fiz o que a minha experiência (e algum bom-senso, espero) me recomendam: falei sobre o assunto sem que isso lhe provocasse qualquer constrangimento. E então desfiz uns quantos equívocos.

Os homens podem ser feministas, porque ser feminista não é defender uma qualquer superioridade das mulheres sobre os homens. As mulheres que defendem isso são “femistas” (versão feminina do machismo) e não feministas. Portanto, os homens podem (e devem, acrescento eu) ser feministas.

O que significa, então, ser feminista? Significa defender que as mulheres têm exatamente os mesmos direitos que os homens e que devem ser respeitadas como qualquer ser humano. O feminismo é a defesa dos direitos humanos aplicada a um grupo de pessoas que, por serem mulheres, têm sido discriminadas como se isso fosse uma inevitabilidade natural e maltratadas como se fossem propriedade dos homens.

Muito se fez e se faz pela defesa dos direitos das mulheres. É uma luta que deve continuar e mobilizar todos os seres humanos decentes, quer sejam homens ou mulheres.

Nenhuma rapariga ou mulher tem de condicionar a sua vida e a sua felicidade apenas porque há homens que acham que têm o direito de comentar (ainda que de forma elogiosa) o seu corpo.

Nenhuma rapariga ou mulher deve deixar de vestir as roupas de que gosta e a fazem sentir bem só porque sabe que se vai cruzar com imbecis que vão tornar o seu dia num inferno de piropos mais ou menos sexuados.

Ouçam de uma vez, seus cretinos: mantenham a boca calada, elas não querem saber das vossas fantasias para nada! Acham mesmo que é a vossa “boca” grosseira que as vai fazer sentir um súbito desejo sexual incontrolável por vocês e a fazerem sexo convosco atrás de um taipal?! Ganhem vergonha, porque noção sobre o que as mulheres são não têm decerto!

Agora para os homens feministas que são mais ou menos famosos e que dão a cara pela causa feminista. Saiam do palco! Se defendem realmente a causa das mulheres e não apenas a vossa visibilidade na defesa da causa das mulheres, cedam-lhes espaço para que sejam elas próprias a dirigirem-se ao vosso imenso séquito de seguidores. Acreditem em mim: as mulheres agradecem sempre que os homens as defendem, mas não precisam de nós para o fazer. Portanto, tu que és homem e famoso, cala-te e dá a voz às mulheres, ok?

Uma palavra, também, para as mulheres feministas “influencers” brancas e bem-sucedidas profissionalmente. O vosso empenhamento tem sido excecional, principalmente nas redes sociais. É realmente importante mostrar, com o vosso exemplo, que as mulheres podem fazer o mesmo ou melhor do que os melhores dos homens. 

Mas ouçam: quem precisa mais de vocês não é a advogada que é injustamente afastada da chefia do escritório ou a quadro superior da empresa que é remetida para os recursos humanos, “porque as mulheres têm mais jeito para escolher os colaboradores para a empresa”, mas não para tomarem ao mais alto nível as decisões que fazem a empresa ter sucesso. 

Quem precisa mais de vós são as mulheres anónimas, mães (muitas vezes solteiras), as “donas de casa” que trabalham que nem umas escravas e não são donas de porra nenhuma e, principalmente, as mulheres negras ou de raça não branca, que sofrem duplamente no corpo e no coração os efeitos perversos de uma discriminação absolutamente irracional. 

E, já agora, não acredito em feministas que não defendam transexuais, travestis, pessoa não-binária ou transgénero. Nem em feministas que critiquem as mulheres que assumem comportamentos socialmente associados a uma visão tradicional da mulher, tais como gostar de roupa, maquilhagem ou fazer sacrifícios pelo namorado por quem estão apaixonadas. Parem de impor uma agenda moralista às mulheres, como se as mulheres, para “merecerem” o seu estatuto igualitário, tivessem uma responsabilidade acrescida para serem livres e viver de acordo com a sua natureza.

As mulheres têm os mesmos direitos e são livres de fazer o que querem das suas vidas! Ponto! 

Podem casar e ter filhos, ser camionistas ou estrelas de cinema, amar homens, mulheres, ambos ou quem não sabe a que género pertence, ser recatadas no vestir e beber chá com as amigas ou embriagar-se com shots ou fazer sexo com vários homens (um de cada vez ou vários ao mesmo tempo). 

Sim, as mulheres têm o direito de fazer exatamente o mesmo que os homens têm feito ao longo de séculos! 

Estás chocado(a) com esta evidência? Achas mal? 

Temos pena. Bem-vindo(a) ao século XXI!

Carlos Café

Professor de Filosofia na ESMTG

(Este texto é dedicado à minha querida filha Maria Miguel, que me ajudou a tornar mais consciente o feminismo existente em mim)

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